GP da Arábia Saudita: Direitos humanos ou dinheiros humanos?


A Fórmula 1 está caminhando para a temporada mais longa de sua história em 2021, com 23 corridas. A categoria e a Arábia Saudita confirmaram nesta quinta-feira (05) que o país começa a participar do campeonato no próximo ano. O Grande Prêmio da Arábia Saudita já era esperado, porque foi incluído no calendário provisório para 2021. Além dos 22 eventos originalmente programados para 2020, a etapa também foi aprovada para a próxima temporada como a 22º de 23, apenas antes do Grande Prêmio de Abu Dhabi, que é previsto para ser o encerramento da temporada e logo após do ainda não confirmado Grande Prêmio do Brasil. 

Apesar das negociações animadas entre a caterogia e líderes locais, a Anistia Internacional emitiu recentemente uma nota de aviso à F1, afirmando que a Arábia Saudita tem utilizado o esporte como cortina de fumaça para enconder o seu registo de violações dos direitos humanos. A organização exige que as categorias tenham cuidado ao levar eventos para este país. O governo local é acusado de detenções, julgamentos, tortura de ativistas e jornalistas nas prisões. Por exemplo, no caso Jamal Khashoggi em 2018, a comunidade internacional acusou o príncipe Abdulaziz Bin Turki Al Faisal Al Saud de ordenar o assassinato de jornalistas. O país ainda classifica diversos comportamentos e açõe praticadas por mulheres, a homossexualidade e o ateísmo como atos extremistas de rebeldia e desordem social, o que é inaceitável para o governo.

Felix Jakens, chefe da campanha internacional da Anistia Internacional, disse: “A possibilidade de realizar o Grande Prêmio da Arábia Saudita de Fórmula 1 no país é parte de uma limpeza esportiva do histórico de direitos humanos que o país tem”. "Se o Grande Prêmio da Arábia Saudita continuar, a F1 deve pelo menos insistir que todos os contratos incluam o mínimo de direitos em todas as cadeias de abastecimento e todos os eventos sejam abertos a todos, sem discriminação."

Já o CEO da Fórmula 1, Chase Carey, está muito animado com a decisão feita pela categoria juntamente com o governo local. “Estamos muito felizes em receber a Arábia Saudita à temporada da Fórmula 1 de 2021 e celebrar seu anúncio após especulações dos últimos dias. A Arábia Saudita é um país que está se tornando rapidamente um centro de esportes e entretenimento e lançou alguns eventos importantes, ficamos muito felizes que a F1 estará aqui na próxima temporada.''

Durante o ano de 2020, a categoria lançou um nova campanha com o slogan 'we race as one', podendo ser traduzido para português como ''corremos como um só'', com o objetivo de promover inclusão de gênero, racial e trazer discussões como uma maior participação feminina na categoria, promover menções públicas sobre o combate ao racismo nas corridas e também sobre o combate à discriminação de pessoas LBGTQI+. Essa proposta ganhou espaço também nas pinturas dos carros, capacetes dos pilotos e em placas e painés dentros das corridas da F1. Na Arábia Saudita, essas discussões propostas pela categoria estão longe de serem comuns e de conhecimento das pessoas, e pelo contrário, são temas considerados imorais e extremistas pela lei local. 


Será que a Fórmula 1 se importa tanto assim com direitos humanos, igualdade de gênero e racial? Os aproximados 580 milhões de dólares que a categoria pretende arrecadar na Arábia Saudita não parece ser muito inclusivo e preocupado com as discussões sociais. 

Debaixo das montanhas de bilhões arrecadados pelo petróleo na  Arábia Saudita, o país viola os direitos civis mais básicos. Para ocupar qualquer cargo público, se casar, obter um passaporte ou até mesmo obter serviços médicos básicos, as mulheres sauditas precisam ser aconselhadas por homens, geralmente maridos de primeira geração ou parentes consanguíneos. Além disso, existem códigos de vestimenta rígidos: as mulheres precisam usar abaya, saias longas e véus que cobrem o corpo do pescoço aos pés.

Apesar disso, o tratamento com as mulheres é apenas parte do problema. Homossexuais e ateus são proibidos e são multados, chicoteados ou executados. Isso tudo faz parte do quadro geral. A religião oficial da Arábia Saudita é o wahhabismo, um fenômeno extremo no Islã. Como a maior potência do Oriente Médio, a Arábia Saudita acredita na expansão e internacionalização do wahhabismo. O problema mais exposto na comunidade internacional é que os ensinamentos Wahhabi também são a origem dos ideais compartilhados pelo Estado Islâmico e pela Al Qaeda. Obrigar a internacionalização do wahabismo é um problema sério e promove o recrutamento de organizações terroristas com visões semelhantes.

Este texto não tem como objetivo deslegimitar o povo árabe, sua cultura local e religião, apenas pretende expor problemas humanitários conhecidos deste páis e mostrar como muitas vezes todo esse discurso ''limpinho'' que a Fórmula 1 pretende trazer vai por água abaixo quando o dinheiro fala mais alto. Será que a F1 conseguirá ir para a Arábia Saudita usando a logo do 'we race as one' dentro de seus eventos ou promover uma discussão sobre inclusão de gênero? Possivelmente não, e isso demonstra como o objetivo financeiro é obviamente mais importante que o padrão ético que foi criado no contexto desta campanha. 


Comentários

Postagens mais visitadas